A marca como sinônimo da categoria e os perigos da degeneração no caso CROSSFIT®

Dezembro 12, 2023

Será que existe a possibilidade de uma marca registrada perder completamente seus direitos de uso exclusivo por se tornar excessivamente famosa? Ajeite-se na cadeira e separe 5 minutinhos para ler este artigo.

Certamente, você não conseguiria pedir a uma costureira para realizar um ajuste no fecho de correr da sua calça. Em vez disso, você diria “ZÍPER”. E se eu disser que “ZÍPER” é uma marca (ou melhor, um dia foi)? 😱 Ao longo dos anos, essa marca ficou tão associada ao produto que os consumidores passaram a chamar o produto pelo próprio nome da marca.

Essa associação da marca com o produto aconteceu também com várias outras marcas, como XEROX, ISOPOR, JET SKI, entre outras, como podemos observar no vídeo abaixo:

Alguns profissionais de marketing consideram esse fenômeno muito positivo e afirmam que marcas que alcançam esse patamar assumem um papel de extrema relevância para o mercado, potencializando ainda mais seu valor.

Certamente, é inegável que marcas amplamente reconhecidas carregam consigo um valor significativo; no entanto, é crucial reconhecer que a associação direta de um produto ou serviço à marca pode, contrariamente, desencadear prejuízos incalculáveis para uma empresa, especialmente quando se depara com o fenômeno da degeneração (ou vulgarização), que é o foco central deste artigo.

Não basta parecer uma marca, precisa funcionar como marca

Para facilitar o entendimento sobre a degeneração, é fundamental compreender primeiro o que significa “marca”. Marca não é apenas um nome escolhido para identificar um produto ou serviço. Para ser considerada uma marca, o sinal escolhido deve funcionar como tal, ou seja, deve distinguir o produto ou serviço de outros do mesmo tipo.

Para que essa distinção ocorra, o nome da marca não pode se confundir com o próprio produto, pois, do contrário, não seria possível diferenciar sua origem, ou seja, quem produz e vende tal produto. 

Por esse motivo, a Lei de Propriedade Industrial 9.279/96 proíbe o registro de sinais que não tenham essa qualidade, como veremos a seguir:

Art. 124. Não são registráveis como marca:
(…)
VI – sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;  (Grifos nossos)

Este dispositivo legal prevê a obrigação de que o sinal pretendido como marca seja revestido de distintividade, qualidade essencial para que uma palavra ou figura possa ser considerada uma marca. Ou seja, ao utilizar um sinal como marca, deve-se evitar qualquer tipo de relação conceitual entre esse nome e os produtos e serviços que serão ofertados

Se todos os refrigerantes fossem chamados simplesmente de “refrigerante”, seria confuso, não é mesmo? Mas como cada um tem uma marca diferente, como Coca-Cola®, Pepsi®, ou Fanta®, fica fácil saber do que estão falando. 

E a degeneração, o que significa?

Vamos utilizar os produtos como exemplo. No processo de degeneração, a marca que era distintiva passa a ser associada ao próprio produto, logo, ocorre também a dissociação do nome descritivo do produto. Isso acontece, por exemplo, quando pessoas começam a pedir por “GILETTE” ao invés de lâmina de barbear na farmácia. Este é o momento em que a degeneração está em curso.

O sinal claro de que a degeneração está concretizada é quando outros concorrentes passam a usar o nome da marca para descrever o produto, como é o caso da CATUPIRY®, que se trata de uma marca registrada, mas que muitas outras empresas a utilizam em seus produtos para descrever um requeijão cremoso. 

Ao concretizar a degeneração, a marca pode perder totalmente a sua exclusividade, pois o consumidor passará a perceber a presença da expressão em inúmeras outras marcas e já não fará mais a associação imediata com a sua titular original.

Caso CROSSFIT®

Um exemplo adicional de uma marca que está enfrentando o desafio da degeneração é a CROSSFIT®, que pertence à CROSSFIT, LLC. Existem vários pedidos de registros no INPI[1] de diferentes titulares que reivindicam marcas contendo o termo “CROSSFIT”. A detentora da marca tem adotado medidas que incluem notificações extrajudiciais, oposições aos pedidos de registro e ações judiciais contra academias que utilizam o nome da prática sem autorização. Até o momento, essas ações têm sido bem-sucedidas.

Leia “Dona da marca, CrossFit derrota academias na Justiça e barra uso do nome”.

Entretanto, devido à popularidade da marca e ao uso desenfreado por parte de concorrentes, somado aos custos elevados para manter uma equipe jurídica sempre vigilante contra tal uso indevido, existe a possibilidade de a marca, em algum momento, perder o controle e acabar se degenerando.


A degeneração não necessariamente resultaria na perda do registro da marca. No entanto, o INPI passaria a permitir que outros titulares registrassem marcas contendo a expressão “CROSSFIT”, desde que acrescidas de outros complementos distintivos. Isso poderia enfraquecer a exclusividade da marca original, que perderia o direito de impedir terceiros de utilizar a marca, comprometendo totalmente sua capacidade de distinguir-se no mercado.

Conclusão

É indiscutível que marcas fortes são aquelas capazes de remeter ao consumidor a imediata relação com o produto ou serviço a que se destinam. Ser sinônimo da categoria é certamente o desejo de muitos empresários que fortalecem por inúmeras vias a comunicação da sua marca.

A aquisição de uma posição de valor no mercado gera prestígio e sucesso nas vendas. Em contrapartida, sem estratégia jurídica, o desfecho poderá acarretar em perda total de distintividade e automaticamente, da exclusividade, causando prejuízos com o enfraquecimento da marca e consequentemente na diminuição de seu valor de compra.

Para evitar a vulgarização de uma marca, deixaremos algumas considerações interessantes sobre o correto uso de uma marca registrada:

  1. Sempre utilizar o símbolo ® quando se referir à marca;
  2. Evitar o uso da marca em letras minúsculas em textos corridos, ao invés disso, usar letras maiúsculas e sempre com o símbolo ao lado (Ex: CROSSFIT®);
  3. Utilizar em embalagens ou materiais gráficos o nome da marca junto da devida descrição do produto ou serviço (Ex: CATUPIRY® Requeijão Cremoso), essa prática evita a relação imediata do nome da marca com o produto a que se destina.

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Autora: Bruna Maitan De Llano Magnus

Referências Bibliográficas

SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas: secondary meaning, vulgarização e teoria da distância – São Paulo, Saraiva, 2013.

BARBOSA, Denis Borges. Proteção das marcas: uma perspectiva semiológica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 28


[1] INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL