Sociedade rompida: quem fica com a marca?
Setembro 26, 2023
O início de qualquer sociedade é repleto de empolgação, comprometimento e senso de união, todos motivados pela visão das recompensas que essa colaboração pode proporcionar. Neste momento inicial, semelhante a um casamento, poucos consideram o fim ou mesmo cogitam que a parceria possa eventualmente se desfazer.
A realidade, contudo, é que tanto sociedades comerciais quanto casamentos podem chegar ao fim, embora essa possibilidade pareça remota no momento da formação. É nesse ponto que surgem os dilemas, como a questão de quem ficará com os bens intelectuais criados conjuntamente.
Este artigo tem como objetivo esclarecer os riscos associados à falta de definição, desde o início de qualquer parceria, sobre o destino, bem como o uso da marca e os materiais da identidade visual criados conjuntamente, em caso de dissolução da sociedade.
Primeiramente, é fundamental esclarecer que a marca, os logotipos e a identidade visual são bens intelectuais protegidos por meio dos direitos de Propriedade Intelectual, embora sob categorias distintas. Enquanto a marca (que pode incluir seu logotipo) se enquadra nos direitos de Propriedade Industrial, a identidade visual, abrangendo elementos como design gráfico, ilustrações, imagens, design de site, dentre outros, se possuírem caráter artístico, é amparada pelos Direitos Autorais.
A marca, que pode assumir diversas formas, como nominativa, mista, figurativa, tridimensional ou de posição, só terá proteção jurídica se registrada no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), conforme prevê aLei 9.279/96¹que regula os direitos de Propriedade Industrial em seu artigo 129:
Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional
Os demais designs criativos vinculados a uma marca, como os citados acima, não necessitam de registro para atribuição de proteção jurídica de direitos autorais, ficando essa decisão a critério dos criadores, que poderão registrá-los como meio de provar sua autoria e anterioridade em caso de cópias ou reprodução por terceiros, conforme estipula a Lei 9.610/98² em seus artigos 18 e 19:
Art. 18. A proteção aos direitos de que trata esta Lei independe de registro.
Art. 19. É facultado ao autor registrar a sua obra no órgão público definido no caput e no § 1º do art. 17 da Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973.
Resumidamente, a propriedade e exclusividade das marcas dependem de registro para efeitos jurídicos, enquanto os designs criativos não dependem de registro, sendo a propriedade vinculada ao autor desde o momento da criação. Apesar desta flexibilidade, recomenda-se o registro³ para maior segurança jurídica dos criadores.
A quem pertencem esses bens? Em situações de dissolução, quem ficará com a marca e com o direito exclusivo de continuar a sua exploração econômica?
Conforme mencionado anteriormente, a marca pertence a quem a registrou no INPI. Portanto, se no início da sociedade a marca foi registrada em nome da empresa, ela pertence à empresa, logo, o sócio que se retirar da sociedade não poderá fazer uso continuado da marca, pois não detém nenhum direito sobre ela.
Agora imagine a seguinte situação:
Uma pessoa tem uma ideia de negócio e cria uma marca para assinalar este negócio. Para viabilizar e colocar esse negócio no mercado, esta pessoa busca parceiros que configurem como sócios.
Nesse cenário, seria razoável que a marca pertencesse a essa pessoa, certo? No entanto, caso ela não registre a marca no INPI ou não estipule, antecipadamente por meio de contrato, que somente ela detém o direito de registro, há uma considerável possibilidade de que a propriedade seja questionada pelos outros sócios devido à falta de definição prévia sobre quem seria o titular de direitos sobre a marca.
Essa questão, embora de extrema importância, muitas vezes passa despercebida. Isso ocorre porque, ao estabelecer uma empresa sob a forma de sociedade limitada, por exemplo, o contrato social é frequentemente baseado no modelo padrão fornecido pela junta comercial, o qual geralmente não inclui cláusulas abordando essa particularidade. Devido à falta de conhecimento sobre esse aspecto, os sócios procedem com a abertura do CNPJ e assinam o contrato social sem considerar essa definição crucial.
Neste ponto se torna necessário estabelecer as diretrizes em relação aos bens de Propriedade Intelectual por meio de documentos separados do contrato social, que podem assumir a forma de um acordo de sócios ou, no caso de parcerias estabelecidas antes da criação do CNPJ, na forma de contratos de parceria comercial.
Importante ressaltar que, caso a marca utilizada pela empresa não for encaminhada a registro no INPI, ela não pertence nem à empresa, nem aos sócios. Como resultado, não poderá ser cedida e transferida a terceiros, diferentemente das obras autorais, que independem de registro e poderão ser cedidas a qualquer tempo. Esta circunstância pode criar um embaraço jurídico muito grande, uma vez que, na ausência de um acordo entre as partes delimitando todos estes pontos, a resolução desse impasse pode exigir intervenção judicial.
É igualmente viável, conforme a situação específica de cada caso, que os sócios optem por manter a titularidade da marca em seus nomes pessoais (pessoa física), o que pode ser realizado por meio do regime de cotitularidade. Nesse arranjo, múltiplos titulares compartilham os direitos sobre a marca. Cabe esclarecer também que o INPI não estipula o percentual de participação de cada titular das marcas, caberá a estes formalizarem acordos separados para determinar as respectivas participações e responsabilidades.
Conclusão
A marca é um elemento importantíssimo para geração de valor a um negócio e pode se tornar, ao longo do tempo, o ativo mais valioso de uma empresa. Por esta razão, é indispensável que os envolvidos estejam preparados para gerenciar e proteger adequadamente a marca, incluindo definir seu destino em caso de dissolução, evitando assim disputas judiciais.
A falta destes acordos e dos registros apropriados podem gerar uma insegurança jurídica muito grande aos envolvidos no negócio, que passará por inúmeras transformações durante os anos de sua existência. Por isso, não deixe para pensar nesta questão somente quando as divergências chegarem.
Lembre-se: Ninguém deveria construir andares sem antes fortalecer as bases.
1 BRASIL https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm
2 BRASIL https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm
3 O registro das obras autorais possuem finalidade declaratória e para fins comprobatórios. Dessa forma, torna-se viável utilizar a tecnologia Blockchain para enviar os arquivos digitais das obras como evidência de sua anterioridade, além dos registros previstos em lei. Importante observar que o autor é sempre uma pessoa física, ou seja, o criador do design. Os casos em que a empresa contrata um designer para desenvolver os elementos visuais da identidade da marca, o designer assume o papel de autor e, consequentemente, transfere os direitos para a empresa. Isso confere à empresa a titularidade da obra, permitindo-lhe explorá-la de forma exclusiva.
Autora: Bruna Maitan de Llano Magnus, Advogada de Propriedade Intelectual